Ofereço aos meus amigos um livro gratuito, que testemunha a minha Experiência de Quase Morte.
LÁZARO
A morte é quase insuportável
e porta para sentimentos eternos
O SILÊNCIO DA MORTE
Na angustiante segunda-feira, de 7 de maio de 2018, eu vivi a minha quase morte. Os especialistas devem dar outros nomes, mais sofisticados, outros podem achar que foi alucinação. Mas, eu ‘vivi’ (se é esse o termo) um momento tão intenso com a morte, que foi como se fosse uma batalha eterna, entre anjos e demônios, que disputavam meu corpo e minha mente.
Devo dizer que esse termo “quase morte” é uma forma de me livrar da fúria dos ‘cientistas’, que jamais acreditariam que eu morri e voltei à vida. Eles iriam achar uma arrogância sem limites, eu me comparar a Lázaro a outros casos bíblicos.
O filho da viúva de Sarepta através de Elias (1 Reis 17.17-24). “E o Senhor ouviu a voz de Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, e reviveu”.
O filho da mulher Sunamita mediante Eliseu (2 Reis 4.32-37). “Depois desceu, e andou naquela casa de uma parte para a outra, e tornou a subir, e se estendeu sobre ele, então o menino espirrou sete vezes, e abriu os olhos”.
O homem que foi encostado nos ossos de Eliseu (2 Reis 13.20-21). “Depois morreu Eliseu, e o sepultaram. Ora, as tropas dos moabitas invadiram a terra à entrada do ano. E sucedeu que, enterrando eles um homem, eis que viram uma tropa, e lançaram o homem na sepultura de Eliseu; e, caindo nela o homem, e tocando os ossos de Eliseu, reviveu, e se levantou sobre os seus pés”.
Moisés através de Cristo (Judas 1:9). “Mas o arcanjo Miguel, quando contendia com o diabo, e disputava a respeito do corpo de Moisés, não ousou pronunciar juízo de maldição contra ele; mas disse: O Senhor te repreenda.”
O filho da viúva de Naim por Jesus (Lucas 7.11-15). "E, chegando-se, tocou o esquife (e os que o levavam pararam), e disse: 'Jovem, a ti te digo: Levanta-te'. E o que fora defunto assentou-se, e começou a falar.”
A filha de Jairo por Jesus (Lucas 8.41-42; 49-55). “E, tomando a mão da menina, disse-lhe: 'Talita cumi; que, traduzido, é: Menina, a ti te digo, levanta-te'. E logo a menina se levantou, e andava, pois já tinha doze anos; e assombraram-se com grande espanto.”
Muitos santos que haviam morrido, depois da morte de Jesus (Mateus 27.52). "E abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; e, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa, e apareceram a muitos.”
Tabita (Atos 9.36-43). “Mas Pedro, fazendo sair a todos, pôs-se de joelhos e orou: e, voltando-se para o corpo, disse: 'Tabita, levanta-te'. E ela abriu os olhos, e, vendo a Pedro, assentou-se.”
Êutico (Atos (20.9-10). “E, estando um certo jovem, por nome Êutico, assentado numa janela, caiu do terceiro andar, tomado de um sono profundo que lhe sobreveio durante o extenso discurso de Paulo; e foi levantado morto. Paulo, porém, descendo, inclinou-se sobre ele e, abraçando-o, disse: Não vos perturbeis, que a sua alma nele está”.
Assim, prefiro testemunhar o que vi e senti na minha quase morte, a angústia insuportável, o medo pavoroso de morrer, o sentimento de perceber algo extremamente poderoso dominando minha mente e meu corpo, falar de quanto somos quase um micróbio, minúsculos, nessa hora derradeira e de como podemos nos tornar soberanos e vencer a morte ou enfrenta-la como um gigante de aço e fé, um monge, um líder de si mesmo, de nosso corpo e de nossa alma, até na hora da morte.
Hoje, depois de todo o sofrimento silencioso que passei, tenho absoluta certeza de que Deus estava dentro da minha mente, como um universo de fogo a aquecer o frio da morte que tomava conta do meu corpo.
Minha vida mudou depois desse acontecimento terrível: você perceber que seus órgãos estão falindo e que um frio intenso, quase insuportável, começa a se espalhar pelo teu corpo. E você não poder fazer nada e sentir tudo na mente, que permanecia viva e em estado de desespero.
Durante a minha dor que, mesmo não tendo sido mais do que alguns minutos, foi como se fosse uma eternidade, de tão forte, tão intensa, tão desesperadora, tão violenta, eu decidi que ia lutar pelo direito à eutanásia, porque eu não queria voltar a sentir aquela dor novamente. Depois, quando recobrei meus sentidos, decidi que a vida deve ser a nossa última fortaleza. Nunca devemos desistir dela, que, mesmo no limite da resistência física e mental, a gente deve lutar, brigar como um lobo, como um anjo, como uma mãe por seu filho, como um monge por sua fé. Lutar pela vida passou a ser a minha obsessão.
Sei que milhares de pessoas passam por essa dor inominável, mas, que a imensa maioria não revela, não testemunha. E esse silêncio não ajuda, porque falar da quase morte, testemunhar o que cada um enfrentou na gruta silenciosa da mente, pode ser uma mão providencial para tanta gente que morre, porque não lutou com as armas da sua consciência e nem pediu vida a Deus com a intensidade que devia.
EU NÃO VI A MORTE CHEGANDO
Na quinta-feira, 3 de maio, eu peguei a estrada para Feijó. Na saída de Sena Madureira, comecei a sentir uma tontura muito forte. Mas, outros fatores me levaram a não entender aquela tontura: um temporal violento nos pegou na estrada e a minha coluna doía de forma quase insuportável. A tempestade e a dor na coluna a desviaram a minha atenção. Após a reunião de lá, comi um açaí. Aí a minha tontura aumentou. Como eu estava há quatro meses que não media meu colesterol, achei que era ele o culpado. Então, comprei um remédio e tomei.
Na verdade, tinha um fator a mais, a tirar a minha atenção. Eu também estava passando por uma crise fortíssima de hemorroida. Não falei, no texto original, por puro machismo e a ‘vergonha’ que este sentimento velho cria em nós. Eu havia, há dois meses, feito uma pequena cirurgia, mas, a crise continuava braba, dolorida e incômoda. Isso tirou muito a minha atenção da tontura. Quando temos várias dores no corpo, a gente acaba sentindo e dando atenção para aquelas que mais doem.
Dor na coluna, quase insuportável (eu havia tomado um comprimido de Tramal, próximo à ponte de Manoel Urbano), crise forte de hemorroida (com seis horas viajando de carro, numa estrada com trechos esburacados) e tontura forte. Às vezes, nós, seres humanos, vivemos pior do que os bichos. E, quando nos damos conta, já é tarde demais.
Ocultar uma doença, como fiz no relato original, em relação à hemorroida, é a prova de que, nós homens, somos ‘máquinas caminhando para o abismo’, orgulhosos para não falar de nossas dores, quase não fazemos exames médicos (só fazemos quando chegamos no limite), não choramos (o choro é como uma chuva de bálsamos, alivia, descarrega, deixa leve), não calçamos as sandálias da humildade, que nos tira a obrigação machista de resolver tudo, de ter poder pra tudo e ver no dinheiro um tecido que compra inutilidades, quando devia servir apenas para cobrir as nossas necessidades.
No dia seguinte, em Tarauacá, a tontura persistiu e se agravou. Eu segui participando de reuniões, sempre com a mesma tontura. No domingo, participei de nova reunião em Rio Branco, densa e complexa, aquelas reuniões em que os temas tratados te maltratam mais do que a dor que você está sentindo. E a tontura se tornava cada vez mais intensa. Eu quase não conseguia mais raciocinar. Não compreendo como não percebi que havia algo anormal. Foram cinco dias de tontura e eu não medi nenhuma vez a minha pressão arterial.
Já no leito da UTI, sozinho, fiquei imaginando como a gente não consegue perceber a dor das pessoas. Como a humanidade seria melhor e mais saudável, se tivéssemos como regra, perguntar como as pessoas estão. Eu estava, há cinco dias, abrindo as veias do meu coração e meus gânglios (minhas enzimas deviam estar fervendo) para um infarto ou AVC e não percebia.
TUDO BEM COM VOCÊ?
Faço um aparte para lembrar de um fato que ocorreu logo após a minha saída da UTI. Eu ainda estava me recuperando em casa, quando um assessor me ligou, informando de uma atitude de um engenheiro, que podia prejudicar fortemente uma obra, que envolvia centenas de famílias. A primeira decisão que vem à nossa mente, nessas horas, é ligar pra pessoa e já iniciar questionando o erro em questão, mas, aí lembrei do que passei no hospital, e perguntei:
- Bom dia! Tudo bem? Como está a família? E a saúde?
- Bom dia, presidente! Estou aqui no hospital com o meu filho. Ele está com pneumonia.
Desejei boa sorte àquele pai aflito, me coloquei à disposição e nunca mais toquei no assunto. Aprendi que as pessoas, antes de suas profissões e de suas vestes sociais, são seres humanos, com suas aflições silenciosas. E que não custa nada, antes de qualquer coisa, perguntar às pessoas como elas estão.
Na segunda-feira, a tontura continuou muito forte, mas, segui com agendas desde as 6:30 horas da manhã. À tarde, quando eu estava indo para uma agenda com o governador, eu já estava sentindo dificuldades na respiração, sentindo frio e suando. Eu não conseguia sequer reagir aos cumprimentos dos assessores do gabinete governamental.
Quando percebi que se intensificava uma dor no peito, muita dificuldade em respirar e, mesmo sentindo frio, eu suava, então pedi ajuda. O SAMU foi acionado e fui levado ao Pronto-socorro. Do SAMU, passando pela Sala de Emergência e INTO, até a UTI do Pronto-Socorro, eu fui tratado pelo SUS.
A MINHA EXPERIÊNCIA DE QUASE MORTE
Ali começou a minha experiência de quase morte. Eu não conseguia falar ou fazer sinais físicos para que os médicos percebessem e me entendessem. Ouvia quando eles perguntavam a minha idade ou o mês em que estávamos. No começo, conseguia responder parcialmente. Depois, fui perdendo, rapidamente, a capacidade física de reagir aos estímulos. Ouvia quando eles perguntavam se eu era hipertenso, se eu era diabético, qual o remédio que eu tomava pra pressão arterial, se eu fumava.
Ali, eu vi o quanto são guerreiros aqueles profissionais. Foram agindo e me salvando, quase sem nenhuma informação médica sobre mim. Eles apertavam, com força, minhas pernas e meus braços, pra saber se eu estava sentindo. No início, eu reagia, mas, em seguida, eu não conseguia mais responder. Eu ouvia eles perguntando, mas, não sentia.
Lembro que eu ficava, na maca e no aparelho de tomografia, segurando, com força e desespero, os dois lados da minha calça (com os meus dedos), pra não permitir que meus braços descansassem no chão delas, porque eu achava que, se fizesse isso, eu estava me entregando. Ao resistir assim, até perder a sensibilidade, meus braços tremiam muito. Era quase insuportável, mas aguentei até onde deu. Depois, soltei os braços. Senti, ali, que eu estava me entregando à morte, não tinha mais forças pra resistir, pra lutar pela vida.
Então, percebi que eles me colocaram numa máquina pra fazer algum tipo de exame, tipo uma tomografia. Não sei quanto tempo durou, mas, o que aconteceu comigo lá dentro, foi uma eternidade, a minha experiência de quase morte.
Toda a minha região bucal ficou como se estivesse anestesiada, irradiando a dormência para o nariz, os olhos e a parte inferior dos ouvidos. Mas, eu ouvia longe os profissionais falando. Eu não sentia os meus pés e os meus braços. Era como se eles não existissem. Então, comecei a entender que estava morrendo e eu não podia fazer nada.
Tentei escolher as palavras, mas, não consigo, até hoje, relatar com fidelidade o que senti na hora que percebi que estava morrendo. Não é um frio normal que a gente sente, é incontrolável, exatamente quando a gente queria controlar o corpo da gente, poder gritar e não conseguir, mover um dedo sequer e nada, sair correndo, como se a morte fosse um fantasma ou um gigante de fogo, tentar pedir água, queria tanto que alguém botasse, pelo menos, um algodão molhado nos meus lábios, rogava em silêncio que algum médico me desse o milagroso remédio que estancasse a minha partida, suplicava para que aquela dor na alma cessasse, sentia o corpo perdendo energia, lembrava de minhas aulas sobre a morte, os sinais que atingem o corpo, o sangue parando o seu ciclo e se concentrando no cérebro, como último lugar da vida, aonde o pouco de oxigênio ainda fazia meu raciocínio sobreviver. Até hoje tenho dúvidas se valeu a pena estudar sobre a vida, o papel de cada órgão humano, se isso me ajudou a sobreviver ou se só aumentou a minha dor naquela hora de partir.
Minha mente estava intacta, mas, era como se meu corpo estivesse sendo consumido por uma máquina de anestesia, que triturava sem fazer barulho. Então, eu decidi organizar, na minha mente, a minha despedida. Mas, com uma revolta racional: eu não queria ir. Não aceitava morrer tão cedo. Vi meu velório e meus amigos. Eu ‘via’, nitidamente, todos eles, ao meu redor, o que diziam, seus semblantes. Foi terrível, uma dor que não se explica.
Hoje, quase um ano depois daquela terrível experiência, tenho dúvidas se vi, de verdade, o meu velório, ou se “fabriquei”, na minha mente, aquela imagem dolorosa. O certo é que vi e ouvi as pessoas, senti uma dor irreparável, uma angústia sem limites, quando via meu corpo inerte e, ao mesmo tempo, identificava que eu estava vivo dentro daquele caixão.
Apesar da revolta, entendi que era irreversível, que eu precisava fazer valer meus últimos pensamentos antes de perder os últimos ‘sentidos’ (audição e raciocínio) e abraçar a morte. Meu primeiro ato racional foi de perdão. Pedi perdão a todos que passaram pela minha vida e depois disse: ‘Deus, perdoa todos também! Que não aconteça nenhum mal a quem, por qualquer motivo, desde que eu nasci, me fez algum mal. Tudo isso é pequeno e insignificante, eu amo todos, meu amor é infinito agora! Cuida, também, da minha família!’ Senti uma paz imensa naquele instante.
Aí comecei a cantar, mentalmente, a canção que eu cantara quatro horas atrás, pra fazer minha neta Marina dormir: “uma dia uma criança me parou, olhou-me nos meus olhos a sorrir, caneta e papel na sua mão, tarefa escolar para cumprir, e perguntou no meio de um sorriso, o que é preciso para ser feliz? Amar como Jesus amou, sonhar como...”
Lembrei que, no final da manhã, Marina chegara da escola muito agitada, rebelde, inquieta, diferente de todos os outros dias. Foi com essa música que fiz a Marina dormir e voltei para o trabalho, as 15 horas. Naquele instante de quase morte, entendi que Marina estava prevendo algo, na sua inocência. Cantar aquela música, silenciosamente dentro da minha mente, naquele instante terrível, era como uma despedida carinhosa daquele pedacinho de gente que eu tanto amava.
Lembro ainda que, quando cheguei para almoçar, as 13:30 horas, disse para a minha mulher: “tem algo muito errado comigo. Ontem, domingo, tratei um assunto importante de trabalho com um de nossos dirigentes do Depasa, e hoje voltei a tratar. Eu, literalmente, esqueci hoje que já tinha tratado ontem. Acho que foi um sinal vermelho”. Só não sabia o que dizia o sinal.
Nunca vou esquecer que, quando percebi que estava morrendo de verdade, com um frio incontrolável invadindo meu corpo, minha mente exigiu apenas dois atos de despedida: perdoar as pessoas e cantar silenciosamente uma música de ninar para a minha neta. Era como se, o pouco de oxigênio, que ainda existia no meu cérebro, desse a sua última ordem: perdoe e ame, abrace e encante, transforme seus últimos segundos em perdão e música de ninar.
ERA O PURGATÓRIO
OU MINHA VIDA DE ANGÚSTIA?
Depois que cantei a música, uma porta gigantesca se abriu perante os olhos da minha mente: um abismo da cor do barro de um barranco do rio, como se fosse uma colossal planície entre montanhas silenciosas, que expeliam fumaça, com casas velhas sem telhado e sem portas. Figuras humanas se aproximavam e sussurravam palavras ininteligíveis pra mim, como se, desesperadamente, quisessem me avisar de algum perigo ou precisassem me ajudar. Vi que suas bocas e narizes eram apenas cicatrizes, e que havia um esforço imenso pra falar e respirar e não conseguiam. Seus olhos eram como dois ninhos de joão-de-barro, opacos e tristes, sem claridade, mas, havia um sinal distante de luz dentro deles, como aqueles pingos de canetas eletrônicas. Era como se passassem uma mensagem que havia alguma esperança, além da dor silenciosa, naquelas figuras mortas como o barro. Se aquela imagem fosse a do Purgatório, era algo comovente, assustador e esperançoso ao mesmo tempo.
UM SEGUNDO DE DEUS
Enquanto eu tentava entender aonde estava, uma tempestade de vento, como se fosse uma mão carinhosa e gigantesca, me arrastou para cima da montanha. Aí vi algo comovedor, uma mulher vestida de rosas. Não sei se era minha mãe ou era a Mãe de Jesus, só ouvi quando ela me disse: “meu filho”... Foi o instante em que senti vontade real de não voltar, de aceitar a morte como porta para aquele novo mundo, de abraçar aquela mulher e conhecer aquele mundo tão diferente, que pacificava a guerra que ainda ocorria na minha mente, como se fosse uma anestesia poderosa que, agora, desligava o meu cérebro, como última resistência da vida.
Naquele instante único, o desespero ensurdecedor desapareceu e uma paz imensurável tomou conta da minha mente. Pela primeira vez, percebi que o meu coração não batia mais, que havia um corpo sem vida e uma mente viva. Sentia, com muita força, algo intenso e luminoso ocupando os espaços do meu corpo. Era como se uma cópia de “água de luz” do meu corpo tivesse saído de dentro de mim e estivesse voltando com outra intensidade, infiltrando nos meus ossos e nas minhas veias. Percebia que um novo corpo estava se formando dentro de mim. É algo que não conseguimos explicar, detalhar, como se eu estivesse com o mesmo corpo, mas, com uma energia nova, tipo a força dos quinze anos, vontade de correr, cantar, soltar o poder físico que me dominava quando eu era adolescente. Sentia que algo magnificamente novo dominava o meu corpo, me conectava a algo forte, quase incandescente, como um planeta inteiro de energia. Eu não sentia mais nenhuma dor de despedida, não havia mais medo, nem desespero, não chorava mais por dentro, nem sentia saudade incontrolável de meus entes queridos. Sentia que estava a entrar num mundo que ia me dar um poder diferente, infinito, belo, capaz de usá-lo para proteger aqueles que eu amava, ser uma espécie de guardião de suas angústias. Se tudo que eu aprendi sobre Deus fosse verdade, naquele instante, era Ele quem estava me abraçando.
Não sei, também, se tudo foi apenas uma alucinação. Como poderia minha mente ‘ver’ tantas coisas e refletir sobre tantos cenários nunca vistos em tão pouco tempo? Lembrei que, quando sonhamos, principalmente quando é pesadelo, acreditamos que foram horas de sonho, mas, se comprova, depois, que foram apenas alguns segundos. O que sei é que senti e minha mente ‘viu’ todas essas situações fortes e sentimentais.
Então, ouvi outra voz, como se fosse um grito: “não desiste, Diniz! Luta!”
Foi quando percebi que estava sendo retirado do tubo da máquina de tomografia. Tentei sentir meu corpo e constatei que estava pior, braços e pernas sem tato nenhum e a região do rosto anestesiada. Tentei mexer minha mão, não conseguia, as penas, nada. Apenas conseguia abrir os olhos. Aí foi quando algo chamou minha atenção. Minha coluna doía e eu sentia calor, principalmente na região lombar. Nessa hora, eu decidi: vou lutar para que a dor que está na minha coluna vá para minhas pernas e meus braços, porque, naquela hora, dor era vida. Nesse instante pedi: “Deus, manda vida e dor para as minhas pernas e meus braços”! Fiz também um esforço tremendo para mover minhas bochechas, para comprimir a gengiva e os músculos do rosto, nada reagia, mas, continuei tentando.
Todo o esforço da minha mente era pedir vida a Deus para os meus órgãos que estavam falindo e repetir dezenas de vezes que eu não ia morrer. No leito da UTI, sozinho, fiquei horas pensando o que podemos fazer (sociedade, medicina e poder político) para ajudar pessoas em situações como a que eu vivi.
Percebi quando me colocaram numa maca e ouvia vozes distantes: “pode levar, ambulância, não tem mais o que fazer, grande amigo, não pode ser...” Nessa hora eu me desesperei e não conseguia reagir. Não era justo eu estar sendo levado para o necrotério, se eu ainda estava vivo. Será que eu estava enfrentando um surto psicótico?
Nunca senti tanta impotência e tanto desespero, perceber que estava morrendo e os meus amigos e profissionais que estavam ao redor já tinham feito o que era possível. Cada porta em que a maca batia, pra mim, já era a entrada do necrotério, mas, a pedra fria não aparecia. Meu pavor aumentava, porque comecei a imaginar o meu embalsamamento, ainda vivo, pois eu sabia que meu cérebro estava vibrando e minha coluna doendo, apesar de não sentir o restante do corpo.
Foi então que dois grandes sentimentos disputaram minha mente. O primeiro pedia que alguém me apagasse, que me dessem uma morfina, para estancar aquele sofrimento e não ser velado vivo, ou mesmo embalsamado e até sepultado. Foi horrível! Nessa hora, percebi o quanto a morte pode ser insuportável.
Queria tanto que alguém me ouvisse, que pudessem trazer rapidamente minha mulher e minhas filhas pra me abraçar. Nunca desejei tanto esse abraço, eu o queria mais que qualquer coisa. Eu sentia que não viveria mais, apenas queria um abraço.
Então, a minha coluna voltou a doer mais fortemente e eu passei a lutar pela vida, com a convicção de que ainda podia viver. É algo que a gente não consegue expressar, é como se você estivesse caindo num abismo e apenas as asas de um beija-flor tentassem te sustentar. Naquele instante eu decidi que lutaria pela vida até a minha última gota de sangue, que era uma necessidade eu voltar, para dizer para as minhas filhas que a vida é mais preciosa que uma montanha de diamante, que todos nós devíamos mudar, que, se possível, até mexer na substância de nossas próprias almas, que nada valia mais que o oxigênio que a gente respirava todos os dias, sem pagar taxa nenhuma, que tudo passa, especialmente o que é feio perante a vida, mas, é eterno o que é belo do ponto de vista da espiritualidade, do amor, da solidariedade.
Eu rezei muito forte, com toda a vibração da minha mente, da minha alma e da minha coluna vertebral. Pedia força a Deus pra não aceitar morrer, não apagar, e mandava ordens para que a minha coluna vertebral, que pulsava de dor, liderasse minhas pernas e meus braços. Ali, compreendi que a dor era a minha porta de volta pra vida.
Percebi o valor das palavras dos sábios da humanidade sobre a dor, desde os cânones sagrados ao pensamento dos filósofos gregos e monges budistas. Reconheci como foram importantes as minhas leituras, as dezenas de romances e clássicos do humanismo, de história e da poesia. Lembrei de Jó e de sua dor, dos homens torturados, daqueles que foram sepultados vivos, que morreram queimados ou afogados, o quanto lutaram nos últimos segundos de vida. Decidi trazer pra dentro de mim a força de todos eles, sua esperança de segundos, sua fé e sua luta pela vida.
Mentalizei as várias cirurgias que fiz na boca e relembrei que a imagem de ficar tudo inchado era fictício, uma percepção enganosa da anestesia. Isso me deu ânimo, de que não havia sequelas na minha boca.
No meio dessa luta terrível entre a vida e a morte, ouvi a palavra INTO, aí compreendi que ainda estava no meio dos homens e que atravessava corredores e entrava numa ambulância. Acho que ali restabeleci a consciência parcial do meu corpo e passei a acreditar que a morte seria vencida, passei a falar e até raciocinar, como pedir que minha mulher me acompanhasse na ambulância.
Encerro esse relato terrível, mas, sentimental, considerando que, além do esforço e do carinho dos profissionais da saúde e da tecnologia, dois fatores externos também ajudaram a me salvar. Acredito que as minhas caminhadas e a minha dieta de açúcar foram importantes para que eu resistisse àquele vendaval da pressão arterial.
Todavia, acho que foi a área límbica (amorosa, elástica e aberta) do meu cérebro, que fez a principal resistência. Acho que amar as pessoas é a maior de todas as comportas contra essas tempestades que, a qualquer hora, atingem o nosso coração.
Num outro dia, eu escrevo sobre as pessoas que me ajudaram a vencer essa travessia e agradecer o carinho que veio de tanta gente.
CINCO DIAS DEPOIS
Quando um vendaval atinge uma casa e não a derruba, ela fica com rachaduras, telhas fora do lugar, animais assustados, os pássaros voam pra longe, móveis quebrados e, quem primeiro sofre a devastação, é o jardim e suas flores, as rosas, os jasmins. Aí, um vendaval menor pode voltar e destruí-la. Foi o que aconteceu comigo. Mas, o medo que me domina, hoje, sofre antídoto diário e permanente: primeiro, Deus e, por último, a minha mente.
NÃO MORREMOS NA UTI
Não consegui esquecer uma cena: vizinho a mim, na UTI, um velhinho estava entubado. Nos três dias em que fiquei lá, não vi ele mexer uma mão sequer. Eu ficava olhando, perplexo. E um único vivente não veio visitar aquele senhor. Então, eu aprendi, dolorosamente, que quem estava morrendo, não eram as pessoas que sofriam na UTI. Quem morria por dentro, todos os dias, eram os parentes e amigos que não iam visitar aquele velhinho.
Eu tenho plena convicção de que Deus parou a minha morte no meio do caminho, porque eu acredito que a eternidade está dentro da gente, num lugar especial da nossa mente. Creio que Deus é uma energia poderosa e amorosa, que habita a mente física dos seres humanos. E, quando você pede cura, Ele te dá. É só combinar com o nosso coração o jeito de pedir.
OS TRÊS MILAGRES
Quando eu entrei na sala de emergência do hospital, além do grave problema de pressão arterial, eu tinha dois outros problemas. Como já testemunhei, eu vivi um milagre: Deus me deu uma nova chance de vida.
Todavia, dois outros milagres aconteceram, que só agora decidi falar, porque eram quase inacreditáveis.
DOR NA COLUNA
Há dez meses que eu não sabia mais o que fazer, era tanta a dor, que eu cheguei a ter vontade de morrer. Minha coluna doía de forma insuportável, enquanto eu não me dopava.
Eu já tinha feito ressonância magnética duas vezes e me consultado com os melhores ortopedistas. Fiz RPG, fisioterapia e caminhadas. Aliviava, mas, a dor sempre voltava.
Tomar setenta gotas de Dipirona era como beber água. Nenhum analgésico aliviava a dor. Eu já estava usando Tramal, que também já não funcionava mais. Sentir dor permanente é algo que te desespera, mas, você faz tudo pra esconder dos amigos e da família, para que eles não sofram com você.
Eu usava remédio pra dormir: Rivotril ou Stylnox, às vezes, os dois juntos. Era a forma de me anestesiar, assim eu dormia e aquietava a dor.
Eu ficava contando as horas pra chegar a hora do almoço: aí eu tomava um comprimido de Stylnox, que me deixava meio que dormindo por uma hora e aliviava a dor. No dia que eu não podia fazer isso, era um sofrimento só. Nem minha mulher sabia que eu tomava esse remédio durante o dia.
A noite, eu tomava dois comprimidos ou doses pesadas de Rivotril. Viver assim, sentindo dor permanente, pegando um avião pra Brasília toda semana ida e volta, seis horas de voo sentado, participar de reuniões, audiências, sessões que iam até as 23 horas, sem família para almoçar e jantar comigo, rir para as câmaras de tv, disfarçar a dor, durante dez meses, não pode ter Purgatório pior.
HEMORROIDA
Na mesma data, comecei a sofrer uma crise de hemorroida. Foram dez meses de sofrimento. Usava todo tipo de remédio, caseiro, anti-inflamatórios, e fiz até uma pequena cirurgia, que não surtiu efeito.
O mesmo sofrimento da dor na coluna, dobrava com a hemorroida, viagens longas de avião, estradas esburacadas, reuniões cansativas. Tinha horas que eu pensava que Deus havia me abandonado ou estava testando a minha fé. Quando eu entrei naquele hospital, meu corpo estava muito sofrido e a minha fé abalada.
OS DOIS MILAGRES
Hoje, depois que Deus me livrou da morte, a minha hemorroida não me incomoda mais e a minha dor na coluna diminuiu 80%.
Se isso não foi milagre, o que foi então?
MINHAS DORES VOLTARAM
E APAGARAM UM MILAGRE
Exatamente vinte e cinco dias depois que saí da UTI, as minhas dores voltaram. As dores que haviam perdido intensidade, depois da minha experiência de quase morte: dor insuportável na coluna e crise permanente de hemorroida. Agora, eu estava mais angustiado, porque eu não tinha mais nenhuma saída. O milagre havia desaparecido e eu não contava mais que curaria com remédios, porque foram longos onze meses sem resultados.
As dores começaram na segunda-feira, 11 de junho, mas, eu fiquei sempre aguardando que, no dia seguinte, elas iriam embora. E não foram. Na quinta-feira, 14 de junho, véspera de um feriado, eu caí na real. As dores estavam ficando insuportáveis e, então, recorri à terapia.
Acho que não há nada pior do que a decepção de um milagre, porque é como se, de forma invisível, te tirassem o chão, te trancassem num quarto escuro e você não conseguisse, sequer, saber se havia porta, mesmo que sem chave.
O que fazer agora? Voltar aos antibióticos e analgésicos, que eu tinha usado tanto tempo e não tinham me curado? Voltar a sessões de fisioterapia, que eu não conseguia dar regularidade? Lembrei de cada remédio que eu tomava e sua ineficácia. Começar tudo de novo me angustiava.
Comecei a entrar em desespero, porque voltou todo o filme de dor, desesperança, desconforto e angústia dos meses anteriores. Será que Deus me abandonou? Será que estou pagando por algo que fiz? Deus é mesmo justo e se compadece de seus filhos ou é um Senhor poderoso e que apenas nos julga, como no Antigo Testamento?
Esses pensamentos turvos me dominavam e me tiravam a paz que eu havia experimentado nas últimas três semanas. O mais grave é que eu fiquei escondendo as minhas dores, porque revela-las era negar um milagre. Acho que esse foi o meu pior momento. Foi como ver o seu avião caindo e seguir rindo para os passageiros.
A quinta e sexta-feira seguintes foram inomináveis: voltou a tontura e, sempre próximo do meio dia, comecei a sentir zumbidos nos ouvidos, forte desconcentração no que ouvia, vista turva, o corpo febril e uma resistência às salas com ar condicionado. Eram os sintomas, em frequência mais baixa, do dia que que vivi minha experiência de quase morte.
Aí eu media a pressão arterial, tudo normal. Isso me deixava mais inseguro ainda, porque eu não conseguia identificar a causa daquele mal-estar que me vinculava a uma experiência de quase morte. É algo que te angustia e te deixa fragilizado.
No domingo, no jogo do Brasil, com a família, foi um suplício: minha coluna doía se sentasse ou se deitasse. No final da tarde, decidi retomar as minhas caminhadas. Aí, enquanto caminhava, descobri que havia caminhado apenas quatro vezes durante as três semanas após a crise de pressão arterial. Eu, simplesmente, achei que estava curado e não precisava fazer nenhum esforço pra manter a cura. Eu achava que Deus tinha a obrigação de fazer tudo.
Enquanto caminhava, sozinho, fiquei a pensar sobre aquele milagre incompleto, que me devolvera a vida, mas, não me curara.
Sentindo dores na coluna, enquanto caminhava, lembrei que, após fazer duas tomografias computadorizadas, consultei quatro bons especialistas, com o resultado das tomografias nas mãos. Dois me disseram que eu tinha um princípio de hérnia de disco e dois afirmaram que minha coluna vertebral não apresentava nenhuma lesão.
Como podia um princípio de hérnia de disco doer tanto? Eu não ouvia meus amigos, que tinham duas, três hérnias de disco, reclamando tanto de dores como eu.
OS MILAGRES ABREM
OS OLHOS DA GENTE
Mas, a palavra milagre não saía da minha cabeça. O que havia acontecido mesmo naquele 14 de maio? Estaria Deus me testando ou milagres não existem?
Decidi me concentrar naquele 14 de maio e tentar lembrar e entender o que aconteceu com o milagre que, supostamente, havia perdido metade de sua força. Deus me restituíra a vida, mas, tinha permitido a volta das minhas dores.
Foi quando um relâmpago atingiu minha mente, literalmente, um relâmpago. Pois eu vi a entrada luminosa de uma montanha, por onde entrei, e revivi todas as imagens mentais da minha quase morte. Percebi que aquela montanha iluminada por dentro era o meu próprio cérebro.
Eu caminhava na pista e só via imagens pálidas das pessoas e a mancha negra do asfalto. Meus neurônios vasculhavam aquela montanha de chumbo, que escondia a minha ressurreição. Minha mente era como uma máquina que rasgava terra e rocha, em busca de um segredo que tantos homens tentaram decifrar: o milagre que Deus planta dentro de cada um de nós e quase ninguém percebe até a hora de partir, quando só você pode ver sua caminhada na terra e sua própria dor.
Agora, eu via claramente o milagre. Deus me dera a oportunidade de viver novamente e mudar meus hábitos e minha relação com as pessoas e com o mundo de forma radical. Eu não tinha o direito de subestimar a vida que Ele me devolvera e ainda duvidar de seus prodigiosos milagres.
Deus pedia que eu olhasse com mais rigor para as minhas dores e tentasse identificar de onde elas vinham e o que fazer para cura-las. Foi quando descobri que as dores da minha coluna, na região lombar, aumentavam quando piorava minha crise de hemorroida.
Passei, então, a cuidar com mais rigor da minha hemorroida, sem descuidar da coluna, com exercícios de alongamento e outras providências de tratamento. Percebi, também, que precisava equilibrar o meu corpo, reduzir minhas taxas de açúcar, colesterol e triglicérides e desintoxicar tudo de nocivo que acumulei nos últimos cinquenta anos.
Minha primeira decisão foi radical: fazer caminhadas, todos os dias, as cinco da manhã, inclusive, aos domingos. Isso não é fácil. Um simples esmorecimento faz você desistir, basta dizer: "só vou faltar hoje". Aí começa o fracasso.
Decidi, também, aumentar o rigor na minha dieta de açúcar, descartando esse elemento perigoso, que mata mais do que a pólvora na civilização do século vinte e um. Pra se der uma ideia, são assassinadas, anualmente, 2,5 milhões de pessoas com armas de fogo (pólvora) e em guerras no mundo. Já a diabetes (açúcar) mata 4,5 milhões.
Passei a usar remédio natural para a minha hemorroida, feito de plantas que combatem a inflamação das veias. Passei, também, a ingerir, em jejum, água com limão. Todas as pessoas mais antigas aconselham, como tratamento natural para reduzir nossas taxas de colesterol, eliminar toxinas, melhora a digestão e a pressão arterial, combate doenças vinculadas ao sistema respiratório e nos fornece a milagrosa vitamina C. Outras providências, vinculadas a uma alimentação mais saudável, foram tomadas.
Entendi que o grande milagre foi Deus permitir que eu visse o caminho da minha cura, que era um caminho tortuoso, uma cura a longo prazo, que exigia renúncia e sacrifícios, mas, que seria duradoura. Agora, eu compreendia Deus, não como um remédio, mas, como um guia, que abre a picada na mata, te indicando os lugares de cura, as árvores nas quais você pode colher frutos e as fontes de água viva, pra matar tua sêde e limpar o lixo do teu corpo.
Encerro esse relato, com a convicção de que o maior milagre foi Deus ter iluminado a minha mente e aberto os meus olhos. Deus transforma uma pedra num pássaro, como pode transformar um pássaro numa pedra. A gente é quem escolha se quer ser pedra ou pássaro.
O milagre de Deus se agiganta no homem, quando há, em nós, vontade férrea, fé, compaixão e amor de fraternidade.
Não ganhei apenas uma vida nova, eu fui presenteado com um conteúdo especial de olhar o mundo e enfrentar seus abismos.
Compreendi que o grande milagre tinha sido o meu retorno à vida, minha quase ressurreição, capaz de administrar minhas dores e cura-las a longo prazo, me livrar dos antibióticos e anti-inflamatórios, que destruíam meu estômago e criavam uma névoa de desespero, quando se passavam meses e eu não sentia melhora, apenas algum alívio passageiro.
Hoje eu não tomo nenhum remédio para as dores na coluna, busco conviver com a dor, evito ficar muito tempo sentado, falo abertamente para as pessoas sobre a minha dor, então, explico porque estou me levantando, numa reunião demorada, uso remédio natural contra a inflamação que maltrata a minha espinha cervical e está quase curando a minha hemorroida, faço caminhadas, ainda estou em débito com a fisioterapia, muitíssimo necessária, me esforço para vencer o maior de todos os meus inimigos: o açúcar e tento desligar a dor no meu cérebro. Esse é o exercício mais magnífico e mais árduo: você encontrar a chave, no teu cérebro, que desliga a dor. Isso será um exercício de uma década. Mas, eu vou conseguir.
O milagre estava no meu jeito, agora revolucionário, de olhar o mundo, de perdoar como se fosse a minha respiração, de olhar mais para o interior das pessoas, de ver o semelhante como criatura de Deus, de amar a grama do jardim, aquela rosa quieta, aqueles prédios e o suor de seus operários, as árvores que, agora, eu sentia que respiravam, perceber os seres humanos fragilizados nas ruas, os hospitais, além de um lugar de dor, um espaço pra perceber e divulgar milagres, igrejas ficaram mais perto do meu coração, já não via pecado da usura, percebia ternura na palavra do pastor, passei a ficar mais tempo com a família, a vigiar e tentar controlar meu estresse e as palavras que ferem, comecei a falar com a cachorrinha lá de casa e me perguntar se as formigas não sentiam dor quando eu as esmagava sob os pés, olhar as estrelas como mundos reais do espírito humano e abraçar o ar da manhã como se fosse gente.
Na verdade, o grande milagre, naquele hospital, foi perceber as digitais de Deus nas coisas ao meu redor e no meu semelhante.
MARCAS TERRÍVEIS
QUE NUNCA SARAM
Desde aquele dia terrível da minha quase morte, a minha pressão arterial adquiriu uma instabilidade sem precedentes, qualquer desarranjo no meu cotidiano, ela dispara, ando com Captopril no bolso, pois, a qualquer hora, posso ir embora. O que incomoda é eu não poder dizer isso para todo mundo, aí, qualquer um pode pegar um telefone, me ligar e dizer o que quiser. Dia desses, uma pessoa me mandou um Whatzzap me agredindo, devido a questões de emprego, ela nem imagina que a minha pressão arterial disparou e eu tive que tomar dois comprimidos de Captopril.
São dias instáveis, de medo e de esperança. Estou aprendendo a administrar esses dois sentimentos. Sei que milhões de pessoas passaram pelo que passei, mas, não tiveram coragem ou condições de escrever suas dores, para evitar as dores do semelhante. Estou convicto de que o meu testemunho vai ajudar muita gente a cuidar melhor da sua vida e do seu mundo, a olhar com mais rigor para as dores humanas, a iniciar o mais árduo de todos os caminhos: o do perdão, a cuidar da saúde do seu corpo e do seu espírito, porque a alma também apodrece, numa gravidade infinitamente superior à putrefação dos membros físicos.
Sei que o homem, todos os segundos da vida, encara esses dois sentimentos. E, na maioria das vezes, se deixa dominar pelo medo, deixando a esperança num cantinho da sua mente, acuada como um coelho, enquanto o medo se agiganta, domina o coração, a mente, controla o corpo inteiro. O medo provoca baixa estima, vontade de desistir de tudo, de aceitar qualquer derrota, o medo é o pai da depressão.
Todos os dias, depois da minha quase morte, eu mentalizo a esperança na minha mente. A esperança gera coragem, produz autoestima e libera enzimas que ativam mecanismos de resistência e de vigor no corpo da gente. A esperança está no lado esquerdo do cérebro, junto com sentimentos como vontade, inquietude, compaixão e solidariedade, é o cérebro do amor, da poesia, da fé. Foi com esse cérebro que resisti à ofensiva da morte, ao vendaval do fim do ciclo vital.
Hoje, me sinto estranho no meio das pessoas, tento disfarçar, mas, isso me incomoda. Não tenho mais vontade de ter poder, de adquirir bens materiais e sinto náuseas quando vejo atitudes de desamor, de falta de compaixão, de ódio, de gente pisando gente. É como se uma alma diferente tivesse substituído a minha alma antiga, como se fosse outro conteúdo que dominasse a minha mente, como se enzimas alienígenas, do céu, percorressem meus neurônios, meus gânglios, minhas veias.
ANSIEDADE É UM LOBO
QUE FERE SEM UIVAR
Mas, acho que, de todos os milagres, o maior foi Deus ter extinguido a ansiedade do meu cérebro e do meu coração. A ansiedade é pior do que o medo, ela liquida qualquer paz na nossa alma, arrebenta nossa estabilidade emocional e sitia a nossa segurança de vida. A ansiedade faz a gente viver o amanhã ainda hoje, nossos pensamentos ficam vasculhando o futuro pra ver se vamos ter emprego, casa, alimento e estabilidade nos anos que virão. É quase uma doença da humanidade. A ansiedade nasceu com o raciocínio lógico, quando os seres vivos, principalmente, os homens, passaram a se questionar sobre a quantidade de alimentos para a família, a segurança de suas cavernas e mansões, a proteção de seus animais e plantações, a saúde ou a doença dos seus entes queridos. A ansiedade é a grande ameaça da humanidade, produz milhões de doentes na alma, pessoas medrosas, inseguras, fragilizadas, incapazes de perceber que o mais sensato era viver como os pássaros, sem olhar para o futuro com medo, abraçar o céu como teto e as pedras como travesseiro. A ansiedade só pode ser vencida com organização do cérebro e do coração da gente. Grupos de convivência, igrejas, amigos, família, bons livros, música são os melhores ingredientes para vencer a ansiedade.
Quando eu acordo, imediatamente, baixo músicas no meu celular, sempre com temas de fé, de esperança, de luta, de amor, de compaixão, músicas que me tiram os pensamentos de ansiedade e me animam, jogam o meu corpo pra frente e a minha alma pra cima. Quando a ansiedade fica mais forte, principalmente, quando o meu cérebro está desocupado, nas noites e fins de semana, eu baixo mensagens e vídeos sobre autoestima e resistência, palestras e mensagens sobre viver com fé, com esperança e agradecer a Deus por tudo, desde o oxigênio gratuito à vida abundante que jorra dentro do meu corpo.
Agora, sei que tenho uma última missão: ajudar as pessoas a se livrarem de valores que não passam de lixo humano, como orgulho, medo, ódio, e se abraçarem com sentimentos mais próximos dos anjos, como amor ao próximo, solidariedade, compaixão. Na minha quase morte descobri que cada pessoa precisa encontrar o seu próprio caminho de autoestima, de superação, de fé diária, porque, no final da vida, não tem mais volta, é só fechar os olhos e se abraçar com o Universo que a gente construiu dentro da gente. Nunca permita, na hora derradeira, se abraçar com o vazio, erga templos de amor dentro de você, catedrais de compaixão e ternura, e você encontrará luz na hora da partida, naquele instante em que é só você e Deus, e não há o que fazer, a não ser mergulhar num mar de luz ou num abismo de escuridão e imenso vazio.
Quanto a mim, vou lutar para me abraçar com a luz, para mergulhar no Universo de Deus.
MOISÉS DINIZ é membro da Academia Acreana de Letras e autor do livro LÁZARO: A Morte é Quase Insuportável e Porta para Sentimentos Eternos.
Você também pode baixar o livro gratuitmente aqui: (https://www.amazon.com.br/L%C3%81ZARO-mor…/…/ref=mp_s_a_1_1…)
Moises Diniz
Impressionante, tbm tive uma experiência profunda de transformação! Paz e bênção na caminhada!
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