Desde o início da pandemia de Covid-19, mais de cem testes diferentes de vacinas contra o vírus causador da doença foram anunciados mundo afora, e pelo menos cinco dessas possíveis imunizações já estão sendo avaliadas em pacientes humanos.
A velocidade do processo em diferentes países supera tudo o que já foi visto até hoje na área de desenvolvimento de vacinas, normalmente um processo demorado e trabalhoso que envolve várias rodadas de testes em animais e avaliações de toxicidade antes das três fases obrigatórias de testes clínicos com pessoas.
Diante da emergência mundial representada pelo vírus Sars-CoV-2, esses controles mais estritos foram relaxados. Nada disso, porém, é garantia de sucesso, já que calibrar os efeitos de uma vacina sobre o sistema imunológico (de defesa do organismo), para que o fármaco seja capaz de proteger o corpo de forma robusta contra um invasor sem grandes efeitos colaterais, é um processo que sempre envolve muita tentativa e erro.
Também vai ser necessário otimizar os processos industriais indispensáveis à produção e à distribuição de uma vacina em larga escala. Tais processos variam muito de acordo com o tipo de vacina e vão afetar a maneira como as doses chegarão às pessoas que necessitam delas mundo afora.
Veja as vacinas que já estão sendo testadas em humanos –as exceções são as brasileiras e a da BCG.
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Vacina de RNA americana
A primeira vacina contra a Covid-19 a ser testada em humanos foi desenvolvida numa parceria entre o governo americano, o Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente, em Seattle (EUA) e a empresa de biotecnologia Moderna. A imunização se baseia em trechos de RNA (molécula "prima" do DNA) que compõem o material genético do vírus.
O RNA viral da vacina contém a receita para a produção da chamada proteína S (de "spike" ou espícula, o gancho molecular usado pelo Sars-CoV-2 para se conectar às células humanas). Espera-se que, uma vez dentro das células, esse pedaço de RNA seja usado para iniciar a produção da proteína S, a qual, por sua vez, desencadeará uma reação de defesa do organismo. Quando o organismo entrar em contato com o vírus real, a esperança é que ele já esteja com anticorpos prontos para combatê-lo.
Tudo indica que a técnica é relativamente segura, mas resta demonstrar sua eficácia – até hoje, nenhuma vacina de RNA foi liberada para uso comercial. Os testes começaram em 16 de março, na chamada fase 1 (que mede apenas a segurança). A fase 2, que investiga a eficácia mais diretamente, pode começar em poucos meses, se tudo der certo.
A empresa farmacêutica Pfizer anunciou que também quer testar sua própria vacina de RNA contra o coronavírus em seres humanos a partir de agosto de 2020.
Vacina chinesa com adenovírus modificado
Criada pela empresa farmacêutica chinesa CanSino, a vacina experimental começou a ser testada um pouco depois da americana, mas foi a primeira a alcançar a fase 2 dos testes clínicos, começando a recrutar 500 voluntários no dia 15 de abril de 2020.
Usando uma abordagem similar à que havia empregado no desenvolvimento de uma vacina contra o ebola, a CanSino está apostando num patógeno modificado, do grupo dos adenovírus, como vetor.
O adenovírus geneticamente modificado carregará o material genético que contém o código para a produção da proteína S, mais ou menos como no caso da vacina americana de RNA. A diferença é que os vírus conseguem "entregar" ativamente a informação genética da imunização, o que, em tese, pode ser mais eficiente do que o material genético "solto". Por outro lado, pode haver mais riscos de efeitos colaterais. Há a expectativa de que resultados mais firmes sobre a abordagem apareçam dentro de um ano.
Uma abordagem muito parecida está sendo adotada por pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido).
No caso deles, os testes começaram em março de 2020 e devem durar cerca de um ano.
Imunização americana com DNA
A abordagem da empresa de biotecnologia americana Inovio Pharmaceuticals começou a ser testada na fase 1 em 6 de abril de 2020. O método tem muitas semelhanças com a vacina de RNA, com a diferença de que o genoma do vírus, na parte correspondente ao código da proteína S, foi adaptado para uma molécula de DNA.
Para injetar a vacina na pele ou nos músculos dos voluntários, os pesquisadores da empresa usam uma tecnologia que emite um breve pulso elétrico, facilitando a entrada do material genético nas células por meio da abertura de pequenos poros. Até 40 voluntários, recrutados em duas cidades americanas, vão receber o fármaco durante a fase 1.
O objetivo é ter uma vacina para o uso comercial num prazo de 12 meses a 18 meses.
Vacinas chinesas baseadas em células
Duas abordagens estão sendo desenvolvidas pelo Instituto Médico Genoimune de Shenzhen, na China, partindo do princípio que seria possível usar células geneticamente modificadas como vacinas.
Essas células dendríticas, como são conhecidas, ajudam o sistema imunológico a reconhecer invasores.
A ideia é incluir no material genético delas uma espécie de biblioteca de vários fragmentos de genes do Sars-CoV-2, bem como outros genes com a receita de moléculas que ativam o sistema imune.
Ao produzir essa biblioteca de substâncias estranhas quando entrarem em contato com o organismo, elas desencadeariam uma reação similar a uma infecção real, sem os riscos do contato com o vírus.
A fase 1 do projeto já está em andamento, e o grupo de Shenzhen planeja concluir o desenvolvimento da vacina até julho de 2023.
EM FASE PRÉ-CLÍNICA
Vacina brasileira com VLPs
A proposta de cientistas do Incor (Instituto do Coração, ligado à USP) é montar "cascas" de vírus, as chamadas VLPs (partículas semelhantes a vírus, na sigla inglesa), às quais seriam combinadas antígenos, moléculas do coronavírus que possam ser reconhecidas pelo sistema imune.
Acredita-se que a combinação entre a molécula viral e as VLPs poderia induzir uma resposta imune robusta, mais próxima de uma infecção real.
Os testes em seres humanos ainda devem demorar vários meses para acontecer.
Vacina mineira a partir do vírus da gripe
Pesquisadores da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) de Minas Gerais estão modificando o vírus influenza, causador da gripe, para que ele carregue trechos do material genético do Sars-CoV-2 associados à proteína S, da superfície do coronavírus.
A ideia é produzir um vírus defectivo, ou seja, que invade as células inicialmente, mas não consegue se propagar para outras células depois.
O desenvolvimento pré-clínico, com modelos animais, deve levar de 12 a 18 meses, seguido dos testes clínicos, se tudo der certo.
O possível papel da vacina BCG na proteção
Um estudo preliminar, divulgado só no depositório de estudos medRxiv (www.medrxiv.org), apontou uma possível correlação entre o uso disseminado da vacina BCG, contra a tuberculose, e alguma proteção diante do Sars-CoV-2.
Segundo os autores da pesquisa, liderados por Aaron Miller, do Instituto de Tecnologia de Nova York, países onde a vacinação com a BCG não é obrigatória, como os EUA, a Itália, a França e a Espanha, estão sendo afetados pela pandemia de forma mais severa se comparados aos locais onde a vacinação é universal (Japão, China e Brasil). Há evidências de que a BCG poderia "treinar" o sistema imune para resistir a outras infecções respiratórias.
Reinaldo José Lopes - Folhapres.
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