'Salvaguarda' reúne voluntários de todo o país para tirar dúvidas, organizar rotina de estudos e dar informações sobre as universidades. Inscrições vão até 1º de agosto.
Mariely foi aprovada em direito na Unipampa após ter apoio do projeto Salvaguarda — Foto: Arquivo pessoal
Alunos da rede pública que farão o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) ou prestarão algum vestibular podem se inscrever, até 1º de agosto, no programa Salvaguarda. Criado em 2016, o projeto presta auxílio pedagógico gratuito por meio de uma rede com 1.300 voluntários. (basta preencher um formulário).
São estudantes e professores de universidades públicas do Brasil que ajudam os beneficiados a escolher uma profissão, organizar a rotina, entender o funcionamento de instituições de ensino superior e tirar dúvidas dos conteúdos cobrados nos principais processos seletivos.
Como, na pandemia, as atividades são virtuais, jovens do país inteiro podem participar.
Os selecionados terão direito a:
um corretor particular de redação;
um tutor;
informações sobre os principais processos seletivos de universidades;
grupos de WhatsApp com monitores de instituições federais que esclarecem dúvidas;
acolhimento psicológico.
Jovem é aprovada em direito e quer lutar pelos sem-terra
Mariely Lima, de 18 anos, começou a cursar direito na Universidade Federal do Pampa (Unipampa) neste ano, após ser aprovada no Sistema de Seleção Unificada (Sisu).
O resultado só foi possível, segundo ela, por causa da ajuda que recebeu do Salvaguarda no preparo para o Enem.
Mariely estudou com ajuda do projeto Salvaguarda — Foto: Arquivo pessoal
"É muito gratificante; me dediquei muito e tive uma recompensa incrível. Quase desidratei de tanto chorar quando vi tinha passado [na faculdade]", diz.
Ela tem uma meta definida: prestar concurso público e atuar na defesa dos sem-terra.
A jovem nasceu em Pinheiro Machado, cidade com menos de 15 mil habitantes no Rio Grande do Sul, e cresceu fazendo parte de movimentos sociais. Até os 2 anos, morou em um acampamento; depois, seus pais conseguiram um lote de terra por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Quando o irmão de Mariely encontrou um emprego em uma cidade maior (Bento Gonçalves, a 100 km da capital), a família mudou-se para lá. "Sofríamos ameaça [por questões políticas e fundiárias] e saímos 'fugidos'', sem roupa, sem móveis, sem nada. Foi uma luta por sobrevivência", conta.
Os desafios da menina aumentaram - ela não teve uma boa base de ensino e passou a sofrer com a defasagem de conhecimentos em matemática, química e física. Na nova escola, seus colegas já aprendiam até inglês.
Depois, no ensino médio, as dificuldades em acompanhar o colégio agravaram-se ainda mais, porque Mariely teve de começar a trabalhar para ajudar os pais:
"Quase fui reprovada. Era muita coisa no emprego, e eu ainda fazia curso técnico. Na minha cabeça, nunca entraria na faculdade", conta.
Até que ela conheceu o projeto Salvaguarda, e, com o auxílio pedagógico e o apoio emocional que recebeu dos voluntários, optou por ao menos tentar ser aprovada em uma universidade.
"Tomei coragem e decidi que realizaria meu sonho de fazer direito e defender os sem-terra. Esse programa me ajudou a montar um cronograma, a tirar dúvidas, a melhorar nas redações...", diz.
Agora, já cursando direito na Unipampa, o objetivo da jovem é se formar e "trabalhar para a sociedade".
Ela conta que, quando morava na zona rural, era comum ver pessoas pobres e sem estudo sendo "passadas para trás" por "aproveitadores". "É muito duro ver gente analfabeta assinando procuração sem saber o que o documento significa", conta. "Quando meus pais precisaram de ajuda, foi um assessor de promotor que os auxiliou. Ali, eu pensei: quero ser como ele."
"Pessoas marginalizadas são meu foco. É uma tristeza, porque a gente vive em muita miséria, passa frio e fome."
Mariely morou em acampamento de sem-terras — Foto: Arquivo pessoal
Estudando no escuro
Expedito foi aprovado em medicina em três universidades federais — Foto: Arquivo pessoal
Expedito Mendes, do Amapá, também foi aluno do Salvaguarda e passou em medicina em três universidades federais (no Pará, em Santa Catarina e em seu próprio estado).
Não faltaram obstáculos em 2020: além da ansiedade e do medo trazidos pela pandemia, o jovem ainda enfrentou três semanas de apagão.
"À noite, com tudo escuro, eu só tinha uma vela. Durante o dia, precisava correr atrás de água e de gelo, para manter a comida refrigerada. Tudo isso mexeu com meu cronograma de estudos", conta.
Mas, com o projeto voluntário, ele conseguiu se reorganizar e ainda suprir a defasagem deixada pelo ensino público.
"Até o terceiro ano do ensino médio, eu nem sabia que o Brasil tinha vivido uma ditadura militar, por exemplo. Fiz um cursinho, que me ajudou a ter esses conhecimentos básicos, e depois entrei no Salvaguarda", conta.
"Os monitores foram decisivos para a minha aprovação. Eram pessoas de instituições federais que me ajudavam nos grupos de WhatsApp. Eu fazia uma pergunta, aí, quem estivesse disponível me chamava no [chat] privado para explicar tudo. Fora o amparo psicológico, que foi essencial em tempos tão difíceis."
G1.
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